Desde
menina sou afeiçoada às letras. Os livros eram meus melhores e fiéis
companheiros. Em nenhuma brincadeira havia mais prazer que deleitar-me, por
horas a fio, nas leituras que me levavam a inúmeras viagens imaginárias, a conhecer
reinos distantes e contextos outrora desconhecidos. Por amar as letras,
brincava de ensiná-las. Era professora de amigos mais novos, de flores e
pássaros. Em meus braços acalentava livros, gibis e cadernos. Parecia um
prenúncio do que eu viria a me tornar um dia.
Quando
adolescente, lia e relia; além disso, ousava pensar-me escritora. Minhas
paixões juvenis transformavam-se em poesias, meus dilemas e contestações em
dissertações, minhas experiências reais e imaginárias viravam contos. Sempre tive escondido em mim o desejo de, através
da escrita, revelar sonhos, emoções, conceitos e ideias, exteriorizando os meus
escritos, tornando conhecidas minhas íntimas histórias e vivências.
Desde bem pequenina gostava de escrever textos
inventados, que vinham à tona nos momentos de inspiração outrora constantes.
Escrevia versos, poemas, histórias das mais diversas, algumas delas até faziam
chorar... Escrevia contos e textos de variados gêneros, histórias de amor, de
mistérios, de tristezas... Na verdade, em minha infância e adolescência eu
escrevia bastante. Escrevia sem parar, rapidamente, para não deixar as ideias
fartas se perderem pelo caminho.
Ao final de um texto por mim escrito, parava,
respirava, acariciava as folhas ainda quentes em minhas mãos e, aí sim, partia
para a leitura dele, consertando os erros, deliciando-me. Às vezes até
duvidavam de que a autora de alguns desses textos fosse mesmo eu. Pareciam
adultos demais, precoces... No entanto, em alguns momentos, após a terceira ou
quarta leitura, a graça se desvanecia e eu, enfurecida, rasgava as folhas
escritas com caligrafia pouco caprichada. Em outros instantes, entretanto,
gostava tanto da minha história que reunia minha família de membros incultos e
lia para todos eles, que sempre teciam elogios ao final da leitura um tanto
dramatizada. Todavia, raros eram esses momentos em que tinha a coragem de ler
meus textos para outras pessoas. Comumente enclausurava-me em meus pensamentos
e escritos, mergulhando nos livros e nas histórias que lia e escrevia, solitariamente
acompanhada.
Meus professores desconheciam minha paixão pela
leitura e pela escrita, afinal na escola pública de salas lotadas em que sempre
estudei, geralmente era solicitada uma escrita mais objetiva e direcionada, que
não exigia grande capacidade criativa e imaginativa. Sentia, com pesar, que
meus professores não me conheciam. Tinha um enorme desejo de compartilhar com
eles os meus escritos, mas por ser demasiadamente tímida e insegura, a coragem
me fugia.
No ímpeto de minha rebeldia juvenil, reunia as
folhas que guardavam meus poemas, contos e segredos e saía pelas ruas do
bairro, colocando nas caixas de correio das casas cujos donos eu não conhecia,
os textos que de mim nasciam. Propositalmente os perdia na esperança de que
fossem achados. Pelo menos, assim, alguém leria o que eu escrevia.
Os anos se passaram e continuo escrevendo...
Escrevo agora um pouco sobre a minha trajetória
acadêmica, meus percursos, caminhos e trilhas que percorri até aqui.
Minha formação se deu totalmente em instituições
públicas. Filha de pais pobres, lutadores e sonhadores, aprendi desde cedo a
valorizar as simplicidades da vida e a não desmerecer as singelezas da
existência. Lembro-me de que a escola pública onde estudei durante muitos anos
habitou em mim de forma especial: eu morava nela e ela em mim. Lá estudei desde
a infância até concluir o Ensino Médio. Quando parti rumo ao ensino
superior lembro-me de que chorei. Era como despedir-se de um parente-amigo tão
próximo que ia embora para, quem sabe, nunca mais voltar. Valorizava cada
espaço, cada cheiro, mobília, amigos e mestres que me marcaram. Lá aprendi a
ser melhor.
Nessa mesma escola onde habitei durante
muitos anos concluí o Ensino Médio na modalidade “Formação de Professores”.
Sempre tive manias de grandeza e foi isso que me levou a ser professora. Pode
parecer contraditório, mas não é. Acreditava que poderia mudar o mundo. Tinha
em mim o ideal de, através da profissão docente, afetar as pessoas de forma
especial, transformá-las. Hoje, após uma década de profissão, tento manter meus
pés no chão... Mas confesso que às vezes eles, mesmo feridos, querem voar...
Após o ensino médio dei continuidade à formação na
área da educação. Fiz o vestibular para o curso de Letras. Dentre as inúmeras
opções que se colocavam, nenhum outro curso chamava-me mais atenção. Queria
ler, mergulhar na literatura, escrever, ensinar... Fui aprovada na Universidade
Federal do Rio de Janeiro e isso foi um grande presente para mim e também para
a minha família. Eu era a primeira pessoa da minha parentela a cursar o ensino
superior.
Lembro-me de que fui aprovada no concurso público
para o magistério quando ainda cursava a faculdade. Fui dar aulas na favela. O
cheiro de mangue se misturava ao do suor e ao perfume de amor-carência que
exalava daquelas pobres crianças pobres. Diante de mim colocava-se um homérico
desafio: conciliar estudos, trabalho e a vontade inquietante de modificar as
vidas daqueles pequeninos. Confesso que
não foi uma época das mais fáceis, sobretudo porque procuro buscar a excelência
em tudo o que me proponho a realizar. Foi cruelmente difícil. Mas vencer os
desafios que se colocam em nosso caminho faz parte do aprendizado da vida e não
queria que tivesse sido diferente. Cada uma das experiências pelas quais
passamos são indispensavelmente necessárias, moldam nosso caráter, nos faz quem
somos...
Concluí o bacharelado e a licenciatura em Letras e
cada vez mais me apaixonava pela Educação e pela Literatura. Assim, logo em
seguida prestei prova para o curso de Especialização em Literatura
Infanto-Juvenil da Universidade Federal Fluminense. Tinha pelos livros total veneração.
Nutria por eles certa obsessão. Queria lê-los todos, acariciá-los, cheirá-los,
dormir com eles abraçada. Se pudesse, neles moraria. Quem sabe ainda faço de
uma biblioteca a minha morada?
O curso de especialização foi um deleite para a
alma sedenta da jovem professora que sonhava ser escritora. As crianças são os
seres mais espetaculares que existem e queria dedicar a elas os meus escritos. A
experiência do curso só aumentou minha vontade de escrever para crianças. E essa
vontade só cresce a cada dia... Já está tão grandona que não cabe mais em meus
sonhos. Oxalá extrapole para a realidade.
Nessa época dava aulas para crianças de classes
populares do Ensino fundamental I. A literatura e a preocupação com a formação
do leitor eram questões centrais que norteavam meu trabalho em sala de aula.
Meus alunos aprendiam, desde cedo, o encantamento que os livros produziam em
nós. Isso era por demais gratificante. Em seguida fui aprovada em outro concurso
para o magistério municipal do Rio de Janeiro e passei a lecionar aulas de
Língua Portuguesa para o ensino Fundamental II.
Minha prática docente produzia inquietações
difíceis de conter em mim mesma. Para tentar responder as questões que se
colocavam em meu cotidiano, não satisfeita em apenas observar as realidades que
me cercavam, tornei-me uma professora pesquisadora. Parti em busca de
respostas. Decidi ingressar no mestrado na tentativa de obter subsídios que me
auxiliassem nas investigações que se impunham em meu caminho.
Cursei o mestrado em Educação na Faculdade de
Formação de Professores da UERJ, no Programa de Pós-Graduação do Mestrado
em Educação - Processos Formativos e Desigualdades Sociais- vinculada à linha
de pesquisa “Políticas, Direitos e Desigualdades”. Minha pesquisa versou sobre
a produção escrita de alunos de escola pública. A banca examinadora teceu
muitos elogios ao trabalho e orientou que eu desse prosseguimento, no curso de
doutorado, ao estudo que iniciei no mestrado. É por isso que estou pleiteando uma vaga no doutorado. Quero prosseguir, continuar minha caminhada. Mais que
títulos, nutro outras manias de grandeza: quero contribuir de forma relevante
para a educação pública de meu país. Quero ser parte da mudança. Sonhos e/ou
utopias? Tanto faz... Quero ambos.
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo
dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre
dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a
utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
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