sábado, 27 de outubro de 2012

Imigração



Severina chegou ao Rio de Janeiro com sete anos de idade e três pertences: a roupa do corpo, uma boneca de pano e uma chupeta azul. Magrela com os ossos protuberantes, remela constante no olho castanho direito, meleca mole escorrendo pelo nariz. Severina e sua mãe se alojaram em um barraco perto do cais. O pão era comprado com o dinheiro do papelão que recolhiam e vendiam no Ferro Velho da esquina. Alzira, moça dona do estabelecimento, compadeceu-se daquela situação. Cadê o homem responsável por aquelas duas criaturas de meu deus? Penalizada, deu a vara e o peixe. Ofereceu abrigo e oportunidade de trabalho. Logo jogou fora aquela boneca velha que mais parecia um vodu e a chupeta carcomida.

No segundo mês a mãe de Severina fugiu com um caminhoneiro que conheceu no forró. Desapareceu como fumaça de churrasco na segunda-feira. Não ficou nem o cheiro. Severina nem chorou. Para consolar a pobre menina pobre, Alzira sentava-se na banqueta, colocava a magrela entre as pernas e catava-lhe os piolhos. Para alegrar a garota, deu-lhe um novo nome: Nina. Foi a primeira vez que a menina sorriu. Como retribuição, Nina ariava as panelas de Alzira, encerava-lhe o piso e desencardia as calcinhas da dona.   

Dez anos se passaram. Quase nada mudou, a não ser o feitio da menina que agora já era moça feita: continuava magra, porém peituda, com um pequeno traço de beleza escondido por detrás do cansaço. Permanecia esfregando, ariando e desencardindo.

Numa manhã de domingo, quando Alzira chegou suada e faminta da igreja, pegou seu marido na cama com Nina. A menina ria e se escondia entre os lençóis. Onde estavam aqueles olhos assustados e remelentos de uma década atrás? “Magrela desgraçada, arrotadora de ingratidão! Toma o que merece!!!” Alzira pegou a vassoura recostada na parede e deu uma surra de pau na garota. Quebrou-lhe os dentes, rapou-lhe os cabelos e abandonou-lhe na estação. Voltou para casa e fez um jantar especial para seu marido, à luz de velas.

Nunca mais ouviram notícias de Severina.

Nunca mais panelas e piso brilharam naquela casa. E as calcinhas encardidas penduradas no varal esvoaçavam ao vento...

Liliane Balonecker


Nenhum comentário:

Postar um comentário