Severina chegou ao Rio de Janeiro
com sete anos de idade e três pertences: a roupa do corpo, uma boneca de pano e uma chupeta
azul. Magrela com os ossos protuberantes, remela constante no olho
castanho direito, meleca mole escorrendo pelo nariz. Severina e sua mãe se
alojaram em um barraco perto do cais. O pão era
comprado com o dinheiro do papelão que recolhiam e vendiam no Ferro
Velho da esquina. Alzira, moça dona do estabelecimento, compadeceu-se daquela
situação. Cadê o homem responsável por
aquelas duas criaturas de meu deus? Penalizada, deu a vara e o peixe. Ofereceu
abrigo e oportunidade de trabalho. Logo jogou fora aquela boneca velha que mais
parecia um vodu e a chupeta carcomida.
No segundo mês a mãe de
Severina fugiu com um caminhoneiro que conheceu no forró.
Desapareceu como fumaça de churrasco na segunda-feira. Não ficou
nem o cheiro. Severina nem chorou. Para consolar a pobre menina pobre, Alzira
sentava-se na banqueta, colocava a magrela entre as pernas e catava-lhe os
piolhos. Para alegrar a garota, deu-lhe um novo nome: Nina. Foi a primeira vez
que a menina sorriu. Como retribuição, Nina ariava as panelas de
Alzira, encerava-lhe o piso e desencardia as calcinhas da dona.
Dez anos se passaram. Quase nada
mudou, a não ser o feitio da menina que agora já era
moça feita: continuava magra, porém peituda, com um pequeno traço de beleza
escondido por detrás do cansaço. Permanecia
esfregando, ariando e desencardindo.
Numa manhã de
domingo, quando Alzira chegou suada e faminta da igreja, pegou seu marido na
cama com Nina. A menina ria e se escondia entre os lençóis. Onde
estavam aqueles olhos assustados e remelentos de uma década atrás?
“Magrela desgraçada, arrotadora de ingratidão! Toma
o que merece!!!” Alzira pegou a vassoura recostada na parede e deu uma surra de
pau na garota. Quebrou-lhe os dentes, rapou-lhe os cabelos e abandonou-lhe na
estação. Voltou para casa e fez um jantar especial para seu
marido, à luz de velas.
Nunca mais ouviram notícias de
Severina.
Nunca mais panelas e piso
brilharam naquela casa. E as calcinhas encardidas penduradas no varal esvoaçavam
ao vento...
Liliane
Balonecker

Nenhum comentário:
Postar um comentário