Antunes era um homem de bem, ganhava três
salários mínimos. Honesto. Modesto. Perfeccionista. Morava sozinho em um
apertamento de 40 metros quadrados. Sua vida estava sempre em ordem: nenhuma
conta atrasada, camisas sempre passadas, toalhas bem arrumadas. Tom sobre tom.
Um dia Dolores chegou para bagunçar a vida de Antunes. Ele a
conheceu na padaria da rua. Café com pão. Média. Leite frio. Gostou dela
por seus cabelos ruivos, avermelhados como os da sua falecida mãe. Comprou
anel folheado a ouro e pediu a mão da ruiva. Foi aí que a ordem na vida de Antunes
se desordenou. Fios de cabelos
alaranjados na pia, roupas espalhadas no assoalho, revistas femininas amontoadas,
sapatos de salto virados pelo chão. Antunes cansou de catar aquilo que Dolores
jogava pelo caminho. Por tão bem querer, fingia que não via. Quando ficava
com raiva, acariciava os cabelos da mulher, cheirava-os e dormia.
Um dia Dolores passou uma mensagem de
texto que dizia: “tenho uma surpresa pra você”. Antunes não gostava de surpresas.
Angustiado, contou as horas para o expediente findar. Foi para casa com o
coração palpitando, acelerado.
Quando chegou, parou, não acreditou no que
viu. Dolores estava sentada, de costas para a porta, folheando uma revista de
moda. Onde estava a sua ruiva? A mulher
exibia seus cabelos amarelados, recém-pintados, loira como a tia Raimunda, a
desquitada, vergonha da família.
Antunes recolheu as roupas e saltos
espalhados pelo chão. Calmamente. Não brigou. Não gritou. Arrumou a casa toda e
trocou a fechadura. Despediu-se de Dolores, para sempre, não sem antes
recuperar o anel doado como gesto de antigo amor. Amava a ruiva. Da loira tinha
raiva. Seu coração fechou-se. Aposentou-se. Conheceu uma senhora num cruzeiro
na Argentina. Ruiva.

Nenhum comentário:
Postar um comentário