quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Ruiva


Antunes era um homem de bem, ganhava três salários mínimos. Honesto. Modesto. Perfeccionista. Morava sozinho em um apertamento de 40 metros quadrados. Sua vida estava sempre em ordem: nenhuma conta atrasada, camisas sempre passadas, toalhas bem arrumadas. Tom sobre tom.
Um dia Dolores chegou para bagunçar a vida de Antunes. Ele a conheceu na padaria da rua. Café com pão. Média. Leite frio. Gostou dela por seus cabelos ruivos, avermelhados como os da sua falecida mãe. Comprou anel folheado a ouro e pediu a mão da ruiva. Foi aí que a ordem na vida de Antunes se desordenou.  Fios de cabelos alaranjados na pia, roupas espalhadas no assoalho, revistas femininas amontoadas, sapatos de salto virados pelo chão. Antunes cansou de catar aquilo que Dolores jogava pelo caminho. Por tão bem querer, fingia que não via. Quando ficava com raiva, acariciava os cabelos da mulher, cheirava-os e dormia.  
Um dia Dolores passou uma mensagem de texto que dizia: “tenho uma surpresa pra você”. Antunes não gostava de surpresas. Angustiado, contou as horas para o expediente findar. Foi para casa com o coração palpitando, acelerado.
Quando chegou, parou, não acreditou no que viu. Dolores estava sentada, de costas para a porta, folheando uma revista de moda.  Onde estava a sua ruiva? A mulher exibia seus cabelos amarelados, recém-pintados, loira como a tia Raimunda, a desquitada, vergonha da família.
Antunes recolheu as roupas e saltos espalhados pelo chão. Calmamente. Não brigou. Não gritou. Arrumou a casa toda e trocou a fechadura. Despediu-se de Dolores, para sempre, não sem antes recuperar o anel doado como gesto de antigo amor. Amava a ruiva. Da loira tinha raiva. Seu coração fechou-se. Aposentou-se. Conheceu uma senhora num cruzeiro na Argentina. Ruiva.


Liliane Balonecker




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