Mãe, bem que poderiam inventar uma pílula que acabasse com dor de amor, né não?
Porque acho que quase toda dor que não vem do corpo, mas da alma e coração, são
tudo dor de amor.
Ah, mãe, não fala
que sou muito nova pra entender dessas coisas... Quem te disse que não sei o
que é o amor? Você acha que amor só nasce no coração de gente adulta? Pois eu
discordo. Acho que toda pessoa já nasce com o amor estampado na alma, tipo uma
tatuagem que não sai por nada. Só que tem gente que esconde, né?
Não, mãe, eu não tô
pensando em fazer uma tatuagem não... Pode ficar tranquila. É claro que eu não
faria uma coisa dessas escondido de você... Mas sabe que acho que são tantas
marcas que as pessoas carregam, que às vezes elas ficam cansadas com o tanto de
peso que carregam na alma?
Ah, mãe, eu falo
tanto de alma porque eu acredito que ela exista sim, e que é imortal. Não, não
tem nada a ver com religião... Acho sim que cada pessoa é na verdade uma alma e
que tem gente com alma colorida, leve, outras com alma cinza e pesada. A minha?
Ah, acho que parece um arco-íris, mas às vezes me pesa um bocado...
Mãe, não faz essa
cara... Já te disse que às vezes gostaria de ter nascido pedra. Sim, pedra,
pois pedra simplesmente existe e não sente. Acho que eu sinto demais as
coisas... E isso dói um pouco, pesa...
Não, não quero ir
mais na psicóloga não, mãe! Não me obriga... Gosto de gente que conversa, como
se fosse um pingue-pongue. Esse lance de escancarar o coração e depois nem
receber uma palavra em troca me deixa com a sensação de ter sido ludibriada...
É, aprendi essa palavra na aula de Português. Você sabe que é a minha matéria
preferida... Gosto de descobrir novas palavras, porque elas me ajudam a
traduzir algumas coisas que sinto. Alguns sentimentos ficam presos porque não
têm palavra que consiga explicar. Acho que a gente tinha que ter a liberdade de
inventar palavras. Por exemplo, como se dá nome àquela sensação que a gente tem
de já ter vivido algo? Ah, tem?! Não sabia... Ah, mãe, eu não sei francês...
Não sei ainda, pois quero aprender todas as línguas do mundo, para não me
faltarem mais palavras para explicar os sentimentos que pesam no peito...
Ah, mãe, calma, já tô
indo... a louça bem que podia esperar... Não sei por que as pessoas têm essa
urgência de lavar a louça logo depois que comem. Isso tinha que fazer mal.
Alguém bem que podia provar que lavar louça depois da refeição fazia mal, igual
a tomar banho... É, vovó falava isso, esqueceu? Não, mãe, não tô te enrolando
não. É que bateu uma vontade tão grande de escrever um poema... Sobre o quê? Sobre
beija-flor. Por quê? Ah, foi por causa de uma música danada de bonita que eu
tava ouvindo. Você não deve conhecer não... Não! Não vou cantar, claro que não!
Quinze minutos?!
Poxa, mãe, quinze minutos não dá para pensar nem em um título... A louça pode
esperar meia hora...
Mãe, o que são “segredos
de liquidificador”? Tentei imaginar um sentido para isso, mas não consigo...
Ah, já sabe qual é a música que eu tava ouvindo? Assim ficou fácil, né? Você
também adora essa música? Eu sei por quê... Porque era uma das músicas que
papai mais ouvia...
Ah, mãe, não faz
essa cara de tristeza que minha alma logo pesa... Tá bem, eu prometi que não ia
mais falar nele, mas é que é muito difícil pra mim... Recordações são como ladrão,
chegam assim de repente, sem avisar... Tá bem, eu prometo que vou tentar pensar
mas não falar... Desculpa... É que você disse para a dinda que tinha perdoado...
Aí eu pensei que... Tá bem, não falo mais nisso...
Vou cantar...
“Pra que mentir
Fingir que perdoou
Tentar ficar amigos sem rancor...”
Fingir que perdoou
Tentar ficar amigos sem rancor...”
Não, mãe, tô brincando! Não me belisca
que dói...
Mãe,
a última vez que você me beliscou desse jeito foi aquele dia que o moço da
padaria olhou tão fundo no teu olhar que eu não resisti e dei escrito num papel
o número do teu telefone pra ele... Não, mãe, eu não achei ele feio não... É
que eu tenho uma mania de olhar pra dentro das pessoas e achei que ele tinha
algo bem bonito por dentro.
Para
de dizer que sou maluca, que me ofendo. Mas no fundo sei que eu sou diferente das
pessoas desse mundo mesmo... Será que um dia vou encontrar alguém igual a mim
para ser meu par? Acho que a gente acaba se procurando em outra pessoa, né?
Acho que eu quero casar comigo mesma...
Sei
que sou nova pra pensar em casamento, mãe. E nem acho que esse negócio de par
seja verdade. Eu to brincando. Acho que a gente não nasceu metade, a gente já
nasceu inteiro... É, e quando a pessoa fica falando que só vai ser feliz quando
achar a outra metade da laranja, é bem capaz que nunca consiga um suco que
preste... suco azedo, isso sim...
Mãe,
queria que você soubesse uma coisa: essa
noite eu te ouvi chorando... Não, não me diga que estava sonhando, pois sei
que tua alma também pesa às vezes, mas você tenta disfarçar, tipo aquela
tatuagem que a pessoa se arrepende de ter feito e depois tenta esconder... Não
esconde não, mãe, chora, sente, deixa essa dor fluir...
“Você sonhava acordada / Um jeito
de não sentir dor/
Toma
esse poema que eu fiz... É pra você. E eu vou lavar essa louça agora, que ela
já tá virando um fantasma a me assombrar... Acabou o detergente?!
Dores de parto
De idas
Feridas
Partidas
Sua dor
Não é maior que a minha
Nem menor
Dor não se mede
Se vence
Só sabe o tamanho de uma dor
Aquele que a sente
Dor não se prende
Chore
Extravase
Se arrebente
Sente tua dor
Porque a dor
Quando verdadeiramente sentida
Tem a liberação de partir...
Dores de parto
De idas
E vindas...
https://www.youtube.com/watch?v=AFjjUoW8j3o
Admirável delicadeza, Liliane.
ResponderExcluirGostei muito.