segunda-feira, 22 de abril de 2019

Lantejoulas reluzem nos azulejos azuis. O velho e o novo. Penso em seus olhos que ainda brilhavam mesmo você estando tão distante, sua pele tão marcada pelo tempo. Você não me reconhecia mais. Não se lembrava dos domingos amarelos em que fazíamos piquenique no parque. Não lembrava que me empurrava no balanço, das tranças que fazia em meus cabelos, da alfazema que pingava na ponta dos dedos e me perfumava os pulsos. É impossível sentir esse cheiro e não lembrar de você, daquela casa com varanda, das almofadas coloridas que todos diziam que não combinavam e você nem ligava. Cada uma de uma cor diferente. Quanto mais colorido, melhor, você me dizia enquanto sorria e arrumava as almofadas, cada qual em um canto dos sofás. Admirava seu jeito autêntico e verdadeiro, sempre firme nas palavras. Nunca te disse isso, mas toda vez que eu me via em uma situação difícil, lembrava do seu jeito de enfrentar os problemas e eu tentava fazer igual. Na maioria das vezes funcionava, sabia? No final das contas, tudo sempre dá certo, é o que dizem. E o jeito calmo com que você me olhou naquela tarde chuvosa me faz pensar que a vida sempre tem razão. E a gente fica ansioso e se desespera à toa. Eu vivo aprendendo e desaprendendo essa lição. E por falar em aprender, quero te contar uma coisa. Eu estava arrumando as suas gavetas e encontrei uma fotografia. Era uma foto que focava somente os seus pés. E eu sei que eram seus pés porque encontrei no armário os mesmos sapatos que resplandeciam na fotografia. Isso mexeu muito comigo, você não imagina como! Essa fotografia me remoeu por dentro. Tanto tanto que, saindo de lá, fui direto para uma academia e me matriculei nas aulas de dança. Era um desejo que estava embrulhado em papel de seda escondido bem no fundo da cômoda. Nunca é tarde para aprender, é o que falam por aí. Vou te contar um segredo. Meu sonho sempre foi seguir seus passos. Queria dançar e dançar até me tornar leve e bonita como o vento, mas tinha medo de não ser suficientemente boa, tão esplêndida quanto você, e acabar frustrando a expectativa de todo mundo. Nunca me permiti um passo. Não ia saber lidar com o fracasso. Acabei enterrando o sonho, por puro medo. Medo de não ser tão boa, de não agradar, da comparação, de você se decepcionar comigo. Ao ver os seus sapatos, parece que uma música tocou aqui dentro e remexeu tudo em mim. A gente é tão boba de deixar de seguir nossos desejos pensando na reação dos outros, não é? Você, com toda a sua firmeza, certamente nunca abriria mão de um sonho por causa da opinião alheia. Queria tanto ser como você. Mas eu de certa forma trabalho com o movimento também. Só que não sou artista. Não tenho a capacidade de deslumbrar as pessoas, como você fazia. E seu encanto era tanto, que até hoje ainda lembram de você. Não sou só eu que te tenho amor. Toma, eu te trouxe uma flor. 



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